No seu maravilhoso livro “A Poética do Espaço” , Bachelard dedica alguns capitulos à casa e discorre sobre as funções fenomenológicas e psíquicas do porão, sotão, cofres e fechaduras; dos armários e dos cantos; e da função arquetipica e imagética da casa.
Cita um trecho do livro Malicroix,(1948) do escritor frances Henri Bosco, onde a casa é vista como uma representação da proteção materna.
A princípio ela se queixava; as piores rajadas a atacaram de todos os lados ao mesmo tempo, com um ódio nítido e tais urros de raiva que, durante alguns momentos, eu tremi de medo. Mas ela resistiu. Quando começou a tempestade, ventos mal-humorados dedicaram-se a atacar o telhado. Tentaram arrancá-lo, partir-lhe os rins, fazê-lo em pedaços, aspirá-lo. Mas ele curvou o dorso e agarrou-se ao velho vigamento. Então outros ventos vieram e, arremessando-se rente ao solo, arremeteram contra as muralhas. Tudo se vergou contra o choque impetuoso; mas a casa, flexível, tendo-se curvado, resistiu à fera. Sem dúvida ela se prendia ao solo da ilha por raízes inquebrantáveis, e por isso suas finas paredes de pau-a-pique e madeira tinham uma força sobrenatural. Por mais que atacassem as janelas e as portas, pronunciassem ameaças colossais ou trombeteassem na chaminé, o ser agora humano em que eu abrigava meu corpo nada cedeu à tempestade. A casa apertou-se contra mim, como uma loba, e por momentos senti seu cheiro descer maternalmente até o meu coração. Naquela noite ela foi realmente a minha mãe.
foto banner: Elza Tamas sobre escultura em ceramica de Alberto Cidraes